Gal Costa tem reveladas três preciosas gravações de EP inédito feito em 1972, em estúdio, no rastro do show ‘Fa-Tal’
08/03/2025
(Foto: Reprodução) Com músicas de Gilberto Gil, Luiz Melodia e Dorival Caymmi, single é joia rara de alta voltagem que capta com precisão o desbunde, a energia e o clima tenso da contracultura no Brasil ditatorial dos anos 1970. Capa de ‘Gal Costa (Compacto de 1972)’, lançado ontem, 7 de março, com três gravações inéditas da cantora
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♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Gal Costa (Compacto de 1972)
Artista: Gal Costa
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ Admiradores de Gal Costa (26 de setembro de 1945 – 9 de novembro de 2022) ficaram tão surpreendidos quanto exultantes ao descobrirem na noite de ontem, 7 de março, que a gravadora Universal Music arremessou nos players de áudio, sem alarde e sem aviso prévio, três gravações inéditas da imortal cantora que festejaria 80 anos em 2025.
A alegria se justifica pela alta qualidade técnica e artística do single triplo lançado com o título de Gal Costa (Compacto de 1972). Os três fonogramas fazem parte de EP gravado pela artista em estúdio, entre os dias 24 e 26 de junho de 1972, no rastro do sucesso do show Fa-Tal – Gal a todo vapor (1971 / 1972), com os toques dos músicos Lanny Gordin (1951 – 2023) na guitarra, Bruce Henry no baixo, Tutty Moreno na bateria e Perna Fróes (1944 – 1923) no piano e teclados.
Por motivo ignorado, o EP – formato batizado de compacto duplo no jargão fonográfico brasileiro dos anos 1960 e 1970 – chegou a ser mixado em julho, mas nunca foi editado pela gravadora Philips, permanecendo inédito por 53 anos até ser lançado ontem.
Ao que tudo indica, Gal teria gravado somente três músicas no estúdio de São Paulo (SP). Essas três músicas – A morte (Gilberto Gil, 1972), Vale quanto pesa (Luiz Melodia, 1972) e O dengo que a nega tem (Dorival Caymmi, 1941) – estão no single enfim revelado. Foram três, e não quatro faixas, como de praxe nos compactos duplos da época, porque O dengo que a nega tem ocuparia todo um lado do vinil.
Seja como for, o fato é que esse single inédito de Gal é joia rara de alto quilate. Enérgico, o disco capta o clima de inquietude, contracultura e indie-rock que movia a cantora na época. O som tem pegada e a voz de Gal está tinindo.
As músicas faziam parte do roteiro do show Até 73, feito por Gal com Gilberto Gil em maio de 1972 em apresentações nas cidades de Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP). Um mês depois do show, Gal entrou em estúdio para gravar as três faixas do EP.
A primeira faixa, A morte, é composição de Gilberto Gil gravada naquele mesmo ano de 1972 por Jards Macalé, no antológico primeiro álbum do artista carioca, e depois somente revisitada por Ava Rocha em tributo a Macalé editado em 2013. Nem Gil gravou essa composição sombria em que o artista enfatiza o poder absoluto da morte com simbolismo pelo fato de que a morte podia estar sempre à espreita de quem lutava por democracia no Brasil ditatorial de 1972.
A gravação de Gal é bem mais virulenta do que a de Macalé, mas, no geral, há sintonia entre o som do álbum de Macalé e a pegada deste EP de Gal. Até porque músicos como o guitarrista Lanny Gordin e o baterista Tutty Moreno tocaram nos dois discos.
A segunda faixa, Vale quanto pesa, era música então inédita de Luiz Melodia (1951 – 2017), compositor que Gal apresentara ao Brasil em 1971 no mítico show Fa-Tal. Como o EP de Gal teve o lançamento abortado, Vale quanto pesa acabou sendo apresentada no primeiro álbum de Melodia, Pérola negra, lançado em 1973.
O registro de Gal esbanja energia e tensão em corrente elétrica sustentada pela alta voltagem do canto da artista e pelo toque frenético da banda, sobretudo do piano de Perna Fróes e da bateria marcada com vigor por Tutty Moreno. Há toque de latinidade na faixa, evidenciado a partir do segundo minuto do fonograma.
Por fim, o samba O dengo que a nega tem encerra o disco em clima de desbunde. A faixa dura sete minutos e 20 segundos. O remelexo é incomum em abordagens de sambas de Dorival Caymmi (1914 – 2008), compositor baiano que se tornaria indissociável do canto de Gal ao longo da década de 1970. A partir do quinto minuto, a nega ginga na batida noise de indie-samba-rock, com improvisos de Gal e da banda em verdadeira jam.
A faixa exemplifica com perfeição o papel desempenhado por Gal Costa como musa da contracultura brasileira naqueles anos de chumbo. A voz cristalina da artista foi farol na escuridão da ditadura.
O lançamento desse single triplo, pérola rara, é alento para os admiradores de Gal Costa, que já podem sonhar com mais gravações inéditas – e há no acervo da Universal Music registros integrais de shows feitos pela cantora na década de 1970 – no ano do 80º aniversário da artista, saudade doída do Brasil.